Monday, December 19, 2005

A guerra secreta dos EUA.

DER SPIEGEL
13/12/2005

A guerra secreta dos EUA: no rastro da CIA
Desde o 11 de Setembro a CIA exerceu um papel vital na guerra contra o
terror. Mas que papel é esse? Operando nas sombras, o serviço secreto
americano recebeu amplos poderes do governo Bush, que incluem assassinato,
seqüestro e tortura - parte 1

Manfred Ertel, Erich Follath, Hans Hoyng,
Marion Kraske, Georg Mascolo e Jan Puhl




Leia também:


a.. Parte 2 - Cheney fica no lado negro


a.. Parte 3 - Torturados até a morte pela CIA


a.. Parte 4 - Vôos obscuros pela Europa


a.. Parte 5 - Sem mortes nem processos


a.. NYT - Bush mantém oposição a lei antitortura

Sábado, 15 de setembro de 2001, quatro dias depois dos ataques terroristas a
Nova York e Washington. O presidente George W. Bush se retira com os
assessores mais próximos para Camp David, para escapar do caos da semana e
desenvolver os primeiros planos para enfrentar o novo e inédito desafio dos
EUA.

À tarde, o então chefe da CIA, George Tenet, distribui uma pasta a todos os
participantes da cúpula de crise. Chama-se "Indo à guerra". Dentro estão os
primeiros esboços da próxima guerra ao terrorismo. No canto superior
esquerdo da pasta há um círculo vermelho dentro do qual está um retrato de
Osama bin Laden cortado por uma linha preta.

Tenet quer partir para a ofensiva. E sua lista de prioridades é ambiciosa.
Objetivo número 1: destruir a Al Qaeda e fechar as zonas de segurança do
grupo terrorista, onde quer que estejam.

Segundo Bob Woodward, em seu livro "Bush at War", essa é uma lista com
poderes muito amplos garantidos às autoridades que combatem o terror
mundial. Tenet não recua. Ele pede que seus agentes recebam autorização para
eliminar a Al Qaeda sempre que a CIA localizar seus membros. Ele quer carta
branca para operações clandestinas sem ter de passar pelo longo processo de
autorização.

Além disso, os agentes da CIA deveriam voltar a ter autoridade para
matar --um poder que foi retirado dos agentes da inteligência americana em
1976 pelo presidente Gerald Ford.

Também está na lista de Tenet um pedido de milhões de dólares para comprar
agentes secretos estrangeiros. Especificamente, Tenet achava que agentes do
Egito, Jordânia e Argélia poderiam ajudar a CIA a localizar e eliminar a Al
Qaeda.

Três dias depois, Bush assina uma diretriz presidencial cujo texto exato só
alguns americanos conhecem até hoje. Ponto a ponto, os pedidos feitos pela
CIA foram concedidos, e com isso o documento tornou-se o primeiro tiro
disparado na guerra mundial ao terrorismo. Bush ordenou que a CIA fosse a
primeira no novo front. As agências secretas americanas estavam liberadas.

Quatro anos depois, os serviços de inteligência americanos --e especialmente
a CIA (o "carro-chefe do negócio ... aonde você vai se quiser o padrão de
ouro", segundo o novo diretor do órgão, Peter Goss)-- tornaram-se uma das
armas mais polêmicas no combate ao terror.

O exército mais poderoso da história do mundo tornou-se uma força de
ocupação no Iraque, e por sua mera presença atraiu toda uma nova geração de
mujahedin; mas a comunidade de inteligência de Bush lutou sua parte da
batalha sob o aparente lema: "O fim justifica todos os meios".

Os agentes secretos de Washington, cujo desdém pelas normas legais
internacionais até os anos 70 lhes granjeou a reputação de americanos feios,
estão de volta ao palco político internacional. Nem todo mundo está feliz em
vê-los.

E Bush está usando todas as ferramentas de que dispõe. Avaliado por números
e capacidade, o gigantesco aparato do serviço secreto americano parece tão
onipotente quanto o dos militares: 15 agências com 200 mil empregados e um
orçamento anual de cerca de US$ 40 bilhões. A soma representa mais que o
gasto total da maioria dos países com os militares.

Os satélites dessas agências podem ler placas de automóveis do espaço --e a
mais nova geração desses satélites espiões avançados é tão sofisticada
quanto o Telescópio Espacial Hubble. Mas, em vez de bisbilhotar as
profundezas do universo, eles olham para o que acontece aqui na terra.

Todos os dias, analistas desse exército secreto entregam suas descobertas a
superiores e, na forma do Briefing Diário Presidencial, ao próprio
presidente Bush. É uma espécie de jornal diário supersecreto --com
circulação severamente limitada--, com 12 a 30 páginas. É a coisa mais
importante que você tem de ler todo dia, disse Bush pai --que foi chefe da
CIA por um ano-- a seu filho Bush Jr. quando assumiu o cargo.

Mas a guerra secreta não termina com as agências de espionagem americanas.
Da mesma forma, nas sombras --às vezes operando dentro da lei internacional,
às vezes fora dela-- estão as forças especiais militares americanas. O
secretário da Defesa, Donald Rumsfeld, as envia em missões ao redor do
mundo; elas talvez já estejam, como dizem alguns, operando no interior do
Irã, que continua sua busca por armas nucleares.

Ashton Carter, que foi secretário-assistente de Defesa de Bill Clinton, diz
que ficaria "surpreso e desapontado" se medidas secretas ainda não tiverem
sido tomadas contra o programa de armamentos do Irã.

E, onde o pessoal americano não pode ir, a rede mundial da Agência de
Segurança Nacional (NSA) pode bisbilhotar. A NSA habitualmente escuta a ONU
em Nova York --o secretário geral da ONU, Kofi Annan, pelo menos por algum
tempo, foi um dos alvos principais da agência, segundo James Bamford, um
especialista em NSA.

Uma das mais novas armas do arsenal do serviço secreto chama-se
"geolocalização". Quando satélites localizam um suspeito através de um sinal
de telefone celular, por exemplo, forças especiais ou aviões de guerra podem
atacar rapidamente. A tecnologia tornou-se tão precisa que celulares podem
ser localizados num raio de um metro.

De fato, a capacidade de localizar um alvo precisamente foi instrumental
para se matar o chefe militar da Al Qaeda Mohammed Atif, em sua casa perto
de Cabul em novembro de 2001, ou se prender o assessor de bin Laden Abu
Subeida no Paquistão. Mas o sistema também comete graves erros. Em 2002 no
Afeganistão, por exemplo, bombardeiros mobilizados às pressas despejaram sua
carga sobre uma festa de casamento em vez de uma reunião de terroristas.

O chefe da CIA, Goss, que foi agente da CIA durante dez anos antes de entrar
na política, incentiva seus agentes a assumir riscos. "E quando der errado
eu os apoiarei", ele disse. Goss mandou seus agentes com poderes mortíferos
e sacolas cheias de dólares para operações em todo o mundo, nas quais eles
também têm autoridade para chamar poder aéreo. Ou podem chamar um
Predator --aviões teleguiados armados de foguetes Hellfire controlados a
laser.

Gestapo americana

Nas décadas de 80 e 90, as operações secretas em países estrangeiros
tornaram-se mais raras, e a análise ganhou ênfase. Mas essa era a velha
CIA --uma organização de que a ex-oficial Melissa Boyle zombou dizendo que
os tempos de James Bond acabaram. O presidente Bush advertiu diversas vezes
os americanos de que o novo inimigo dos EUA é totalmente diferente de todos
os anteriores.

Essa advertência representa o nascimento da nova CIA --uma agência que deve
causar medo no coração de seus inimigos.

Então, a CIA está a caminho de restabelecer a notoriedade que teve por tanto
tempo no Terceiro Mundo? Aquela de um poder secreto e assustador que
seqüestrava políticos, comprava tropas mercenárias e derrubava governos à
vontade, simplesmente porque Washington não os aprovava?

Pouco depois da fundação do órgão, em 26 de julho de 1947, pelo presidente
Harry Truman, a CIA já tinha feito do mundo seu playground. Começou
decidindo quem eram os mocinhos e quem eram os bandidos e a punir os maus
sob ordens da Casa Branca.

A "firma" tinha licença para matar e a usou durante a guerra fria contra um
inimigo soviético que era pelo menos igualmente brutal. Nos anos 60, a CIA
desenvolveu uma flecha altamente venenosa que não deveria deixar vestígios
durante uma autópsia. Ela também experimentou treinar golfinhos para levar
explosivos até um alvo.

Mas essas foram vitórias ocas. Misturados aos sucessos estiveram missões
desastrosas no exterior e erros embaraçosos em casa. A combinação levou a
CIA a tornar-se mais um peso que uma ajuda. O país ficou horrorizado ao
saber que o presidente Richard Nixon usou ex-agentes para a invasão de
Watergate; os americanos ficaram decepcionados pelo fato de o governo
espionar dezenas de milhares de cidadãos que o criticavam; o termo "Gestapo
americana" começou a circular. [Gestapo era a temida polícia da Alemanha de
Hitler, que torturou e matou adversários do regime, que durou de 1933 a
1945, e participou do Holocausto, o extermínio de aproximadamente 6 milhões
de judeus na Europa.]

O resultado foi uma contenção do Big Brother. Em 1974, entrou em vigor uma
lei que exigia que todas as operações clandestinas no exterior fossem
aprovadas pelo Congresso. Os serviços de inteligência começaram a se
concentrar quase exclusivamente na coleta de dados tecnológicos --e assim
ficaram amplamente fora da revolução iraniana.

Num combate do Afeganistão contra a União Soviética, a CIA deixou de avaliar
que os mujahedin --generosamente abastecidos com armas e dinheiro
americanos-- não apenas eram oponentes fanáticos dos serviços, mas também
contrários aos "cruzados" americanos.



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